Relatando Experiências

I ENCONTRO DROGAS+POLÍTICAS 

Rio de Janeiro, 26 e 27 de abril de 2017 

Realizado no Centro do Teatro do Oprimido, na herança de sua prática, o I Encontro Drogas+Políticas fez democraticamente a palavra circular, com fins de reflexão e construção de novos olhares sobre o fenômeno do uso e abuso de drogas na atualidade. Uso e abuso assim colocados, como uma divisão pertinente, necessária e cuidadosa para uma leitura que garanta o direito ao uso e cuide dos efeitos do abuso sem se contradizer. Afinal, há contradição em ser militante antiproibicionista e cuidador da rede de Saúde Mental? Não quando esse cuidado é antimanicomial! Mas como inserir essa distinção e discussão em espaços de cuidado da rede, quando, nela mesma, o senso comum e o moralismo, que andam de mãos dadas, associam o debate antiproibicionista a um certo tipo de apologia ao uso de drogas? O debate, mesmo nesses ambientes e principalmente neles, ainda é um tabu e tem justificado vários tipos de tensões e desencontros com a estratégia da Redução de Danos, preconizada pela Política de Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras Drogas, desde 2003. 

Atualmente, a crença na abstinência tem fomentado o retorno de instituições, como as Comunidades Terapêuticas, onde a internação é o carro-chefe do projeto terapêutico. Consideradas por muitos um retrocesso; por outros, um avanço necessário; para alguns, são motivos de novas reflexões acerca do cuidado, considerando que trabalhadores têm encontrado dificuldades em manejar o desejo da abstinência em serviços da rede de assistência psicossocial e isso, atrelado ao constante crescimento dessas instituições, tem aberto espaço para novas perguntas, do tipo: um diálogo é possível? Dá pra pensar e atuar junto em um cuidado? Alguns sustentam: é preciso superar a disputa e a competição de modos de cuidar, mas nem sempre o outro lado está disposto a dialogar e isso ficou bastante ilustrado em certos momentos do encontro. 

Como pensar o cuidado considerando os desafios da atualidade? Uma coisa é certa: é mais do que necessário ampliar o debate, inserindo outros modos de compreensão além daqueles fornecidos pela óptica da Saúde. Tratar o sofrimento unicamente a partir desse recorte ratifica essa experiência como uma doença, determinando um prognóstico e limitando as frentes de abordagem no cuidado. A complexidade dessa experiência exige uma extensão do olhar para as diferentes variantes que atuam na vida dos sujeitos, contribuindo na construção de seus modos de existir no mundo. A desigualdade social precisa ser referida, a exclusão das minorias também precisa ser referida. Falar sobre drogas requer uma passagem demorada sobre os fatores políticos, econômicos e legais de nossa sociedade. Falar sobre drogas é falar sobre vida. 

Até mesmo o debate acerca da legalização precisa ser ampliado. No encontro, um representante da Associação Psicodélica do Brasil provocou os presentes afirmando a necessidade da inserção do uso de psicodélicos na defesa antiproibicionista, visto que, majoritariamente, o foco da discussão é concentrado em torno da legalização da maconha. Outra exigência foi a de que essa mesma discussão fosse levada para outros espaços, saindo de uma zona de conforto branca, intelectual e elitizada. A Marcha da Maconha que será realizada no dia 6 de maio foi posta em debate: como tem sido a sua divulgação, a sua inserção nos espaços marginalizados da cidade, a escolha do local de sua realização?

As drogas lícitas, principalmente na figura dos medicamentos, também apareceram para exigir o seu quinhão na discussão. Não só a crítica ao uso desenfreado de prescrições, mas também as estratégias para redução de seus danos e a contextualização de seus abusos. Afinal, não poderia ser a sobremedicação um artifício dos trabalhadores para dar conta de uma situação que demanda uma rede de cuidados, mas que não a dispõe? Nesse ponto, entraram as variáveis: defasagem da rede de serviços, reducionismos na formação dos profissionais, cultura capitalista da produtividade, “estado de mal-estar social” e afins. Tudo aquilo que explica, mas, por princípio, não justifica os nossos desacertos. 

Por esses e outros motivos, o encontro provou se sustentar em fundamentos anticapitalistas, antimachistas, antimanicomiais e antiproibicionistas. Com propostas temáticas específicas, desfilou por uma variada rede de assuntos, sempre a partir do que era trazido pelas contribuições dos presentes. A aposta de “confiar no coletivo”, ao final, foi avaliada como fortuita, na medida em que permitiu a circulação da fala sem concentração e mediações autoritárias. Uma carta ficou por ser elaborada pelos organizadores a partir dos pontos tocados e das falas realizadas na plenária. A conclusão foi de que há uma necessidade permanente de encontros para a atualização, reflexão e fortalecimento do debate ético-político que envolve a Saúde Mental – hoje mais do que nunca. O encaminhamento final: a luta continua e precisamos nos manter cada vez mais juntos para enfrentá-la! 

Relatado por Andreza Silva 
(Psicóloga na Residência em Saúde Mental do IPUB/UFRJ 30 de abril de 2017)

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